Mosaicismo: quando nem todas as células do corpo têm o mesmo DNA

James Priest não conseguia compreender o que estava acontecendo. Ele estava examinando o DNA de um bebê muito doente, na tentativa de descobrir uma mutação genética que poderia fazer o seu coração parar. Mas, os resultados pareciam levar a pensar que se tratava de duas crianças diferentes.

“Fiquei pasmo”, contou o dr. Priest, cardiologista pediatra da Universidade de Stanford, na Califórnia. A criança, ele verificou posteriormente, carregava uma mescla de células geneticamente distintas, uma doença conhecida como mosaicismo. Algumas das suas células apresentavam mutações letais, outras não.

Nós estamos acostumados a pensar que as nossas células compartilham de um conjunto idêntico de genes, copiados fielmente desde que éramos meros óvulos fertilizados. Quando falamos no nosso genoma – ou seja, todo o DNA contido em nossas células – falamos no singular.

Ao longo de décadas, ficou claro que o genoma não varia apenas de pessoa para pessoa, mas também varia de célula para célula – Imagem: Jason Holley / The New York Times

Entretanto, ao longo de dezenas de anos, ficou claro que o genoma não só varia de uma pessoa para outra, como varia de uma célula para outra. Esta situação não é incomum: todos nós somos mosaicos.

Na Europa medieval, os viajantes eram obrigados a atravessar florestas, e, às vezes, esbarravam em uma árvore de aspecto assustador. Uma formação que brotava de um lado do tronco parecia pertencer a uma planta totalmente diferente.

Ela criava um denso emaranhado de ramos, que os alemães chamam de Hexenbesen: vassoura de bruxa. No século 19, os criadores de berçários de plantas constataram que, cortando a vassoura de bruxa de uma árvore e enxertando-a em outra, a vassoura cresceria e produziria sementes.

As romãs vermelhas nasceram de maneira semelhante. Um fazendeiro da Florida observou um galho estranho em uma árvore de romãs Walters. Esta variedade em geral dá frutos brancos, mas este galho estava carregado de romãs de carne vermelha. Desde então, estas sementes produziram pés de romãs vermelhas.

Charles Darwin ficou fascinado com estas peculiaridades. Ele se espantou com os relatos sobre a “metamorfose dos brotos”, flores atípicas em plantas florescentes, e pensou que ela pudesse fornecer a chave para os mistérios da hereditariedade.

As células das plantas e dos animais, ele refletiu, deviam conter “partículas” que determinam sua cor, formato e outras características. Ao se dividirem, estas novas células deviam herdar tais partículas. Alguma coisa devia tumultuar este material hereditário quando os brotos apareciam, afirmou, como “a faísca que acende uma massa de material combustível”.

Somente no século 20 ficou claro que este material combustível era o DNA. Os cientistas constataram que, depois que uma célula muda, todos os seus descendentes herdam a mutação. A vassoura de bruxa e os brotos diferentes acabariam sendo conhecidos como mosaicos. A natureza cria seus mosaicos das células, em um arco-íris de diferentes perfis genéticos.

David A. Hungerford e Peter Nowell descobriram que as pessoas com leucemia mielógena crônica não possuíam um pedaço do cromossomo 22. E verificaram que uma mutação havia transferido aquele pedaço para o cromossomo 9. As células que herdaram esta mutação tornaram-se cancerígenas.

Descobriu-se que algumas doenças da pele também são causadas por mosaicismos. Algumas mutações genéticas fazem com que um lado do corpo se torne totalmente escuro. Ouras mutações traçam riscos em toda a pele.

Astrea Li, a criança examinada pelo dr. Priest em Stanford, teve uma parada cardíaca no dia em que nasceu. Os médicos implantaram um desfibrilador no seu coração para aplicar-lhe choques a fim de que voltasse a pulsar no ritmo certo.

Mosaicismo: quando nem todas as células do corpo tem o mesmo DNA Foto: Pixabay

O dr. Priest analisou a sequência do genoma de Astrea para buscar a causa da sua doença. E concluiu que ela teve uma mutação em uma cópia de um gene chamado SCN5A. Esta mutação poderia ter provocado o seu problema, porque ele codifica uma proteína que ajuda a produzir os batimentos cardíacos.

Mas quando o dr. Priest aplicou um outro teste, não encontrou a mutação. Para resolver o mistério, ele trabalhou com Steven Quake, um biólogo de Stanford, pioneiro em métodos de sequenciamento dos genomas das células.

O dr. Priest pegou 36 leucócitos (células brancas) do sangue da menina, e os dois cientistas sequenciaram o genoma de cada célula. Em 33 delas, ambas as cópias de um gene chamado SCN5A eram normais. Mas nas outras células, os pesquisadores descobriram uma mutação em uma cópia do gene.

Astrea tinha sangue mosaico. Os pesquisadores também determinaram que a mutação do SCN5A de Astrea se originara em uma célula embrionária. As suas células filhas acabaram em tecidos espalhados por todo o seu corpo. Por alguns meses, parecia que Astrea tinha sarado. Um dia, entretanto, o seu desfibrilador percebeu uma batida irregular e emitiu um choque.

De volta ao hospital, os médicos perceberam que o seu coração aumentara perigosamente de tamanho. Os pesquisadores relacionaram as mutações do gene SCN5A à doença. O seu coração logo parou de bater, e os médicos ligaram uma bomba mecânica. Astrea foi submetida a transplante e se recuperou.

A experiência levou o dr. Priest a indagar quantas outras pessoas podem estar em risco por causa de mutações ocultas. Se ele não receber outro paciente como Astrea, talvez jamais saibamos.

Fonte: The New York Times/ ESTADÃO Internacional

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