Pesquisadores do Brasil e dos EUA produzem substância anti-HIV na soja

Pesquisadores da Embrapa e seus colegas dos EUA, do Reino Unido e da África do Sul conseguiram produzir em sementes de soja geneticamente transformada uma substância que neutraliza o vírus da Aids. O trabalho, que acaba de ser admirado com um prêmio internacional, tem que permitir a produção do composto antiviral em grande escala e baratear os testes de sua efetividade em seres humanos.

A receita genética para a produção da substância foi inserida nas células da soja por meio de um método curioso, a biobalística – Foto: Mauro Zafalon/Folhapress

A soja anti-HIV é transgênica porque os pesquisadores introduziram em suas células um trecho do DNA de uma cianobactéria, a Nostoc ellipsosporum.

O micro-organismo, obtido por cientistas de America nas águas do mar Atlântico, produz a cianovirina, uma proteína que é capaz de barrar a ação do vírus da Aids.

As moléculas de defesa geneticamente transformadas pelos pesquisadores também se ligam ao CD4. Dessa maneira, quando o HIV se prende à essa estrutura, as CAR-T ativam o sistema imunológico, e arruína-se o vírus invasor.

O engenheiro agrônomo Elibio Rech, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, que trabalhou no projeto do lado de Brasil explica: “Se fosse possível produzir grandes quantidades da cianovirina com eficiência, ela poderia ser modificada, por exemplo, num gel ou outro produto similar”. “Como a Embrapa era detentora da patente de uma tecnologia de engenharia genética de soja, nossos colegas dos NIH [Institutos Nacionais de Saúde dos EUA] acharam que seria interessante trabalharmos juntos para modificar as sementes em biofábricas”. Em essência, isso significava dar às células da soja um novo “caderno de receitas”.

Introduziu-se a receita genética para a produção de a substância em as células de a soja por meio de uma técnica curiosa, a biobalística. Como o nome propõe, ele de fato envolve uma espécie especial de bala: partículas do metal tungstênio recobertas com o DNA da cianobactéria. “Imagine uma bala coberta com chocolate”, compara Rech. A soja bombardeada acaba incorporando o DNA que contém a receita da cianovirina em seu material genético. Assim, suas descendentes vão produzir a proteína “estrangeira” em suas sementes.

Utilizam-se processos semelhantes já há muito tempo para produzir moléculas de interesse médico em bactérias ou células humanas cultivadas em laboratório. Fazer a mesma coisa com plantas de soja, porém, permite a produção de uma quantidade bem maior da substância querida.

O pesquisador da Embrapa, evidenciando que cultivariam se as plantas transformadas em estufas especiais declara: “É nesse ponto que a gente tende a ganhar no custo final, porque produzir a soja é simples, você só precisa de água, sol e alguns nutrientes baratos”, e não no campo, mescladas à lavoura convencional.

Também não adiantaria comer a própria soja: é preciso depurar a cianovirina e utilizar-la, por exemplo, num lubrificante íntimo, que impediria a transmissão do vírus durante as relações sexuais. Até o momento, esse mesmo processo era utilizado para tratamentos mais efetivos contra algumas espécies câncer. Em casos de leucemia linfoide aguda, por exemplo, os resultados do tratamento foram animadores.

O trabalho recebeu neste mês o prêmio do FLC-MAR, órgão que congrega os laboratórios de pesquisa federais de parte da Costa Leste dos EUA. “Agora, estamos em busca de parcerias para testar o gel em macacos e, se tudo der certo, em seres humanos”. Para o pesquisador, a grande biodiversidade dos ambientes do Brasil tem potencial para trazer aplicações tão interessantes quanto a encontrada no DNA das cianobactérias. “Essa é uma maneira progressista de preservação ambiental”, defende ele.

Fonte: Folha de S. Paulo