Cientistas registram em vídeo a flexibilidade de moléculas

As ligações químicas entre átomos são flexíveis. Essa flexibilidade é o que permite às moléculas mudar de forma em processos fundamentais para funções químicas e biológicas, como a respiração no homem ou a fotossíntese em plantas.

São movimentos que ocorrem na escala de tempo do femtossegundo. Um femtossegundo, ou 1 quadrilionésimo de segundo (10-15), é o tempo que a luz leva para percorrer distância equivalente à espessura de um fio de cabelo humano. Até hoje, estudos de ligações químicas entre átomos têm sido indiretos, como a espectroscopia, que exige cálculos para transformar dados em retratos da geometria nuclear.

O grupo de Martin Centurion, professor no Departamento de Física e Astronomia da University of Nebraska-Lincoln, nos Estados Unidos, desenvolveu um método para observar diretamente movimentos contínuos em nível nuclear.

Por meio de uma câmera de elétrons ultrarrápida, que montou em parceria com pesquisadores do SLAC National Accelerator Laboratory, em Stanford, Centurion e colegas conseguiram registrar, pela primeira vez, imagens diretas de um núcleo atômico no qual as moléculas vibram milionésimos ou mesmo bilionésimos de segundos após serem atingidas pelo pulso de um laser.

“Conseguimos capturar vibrações com resolução atômica”, disse Centurion na FAPESP Week Nebraska-Texas, que reúne pesquisadores dos Estados Unidos e do Brasil até 22 de setembro nas cidades de Lincoln (Nebraska) e Lubbock (Texas).

O método que usaram no registro, denominado de difração ultrarrápida de elétrons (UED, em inglês), poderá ajudar cientistas a entender melhor o papel dos movimentos nucleares em processos dirigidos por luz que ocorrem naturalmente em escalas de tempo extremamente rápidas.

“Nossa ideia foi compreender e controlar a conversão de luz em outras formas de energia no nível molecular. Luz é convertida em energia mecânica (vibrações) ou em energia química por meio da quebra de ligações e de mudanças na forma da molécula estudada. Queríamos observar uma reação química no momento em que ela ocorre, na escala atômica e em escalas de tempo ultrarrápidas”, disse.

Os pesquisadores conseguiram observar moléculas de iodo em diferentes momentos depois de estimuladas por um pulso de laser. Ao reunir as imagens, eles fizeram uma animação que mostra as moléculas vibrando e a ligação entre os dois núcleos de iodo esticando cerca de 50% – de 0,27 a 0,39 milionésimo de milímetro – antes de retornar ao estado inicial. Cada ciclo vibracional registrado durou cerca de 400 femtossegundos.

Animação mostra as moléculas vibrando e a ligação entre os dois núcleos de iodo esticando cerca de 50% antes de retornar ao estado inicial – Imagem: FAPESP

O conceito por trás do método é semelhante a um experimento clássico da Física – realizado pela primeira vez pelo físico inglês Thomas Young, em 1801 –, no qual um feixe de laser passa por um par de fendas laterais, produzindo um padrão de áreas claras e escuras em uma tela. O padrão formado depende da distância entre as fendas.

No UED, um feixe de elétrons é emitido em um gás de moléculas de iodo. A distância entre os dois núcleos de iodo em cada molécula funciona como o par de fendas. “Primeiro o laser excita as moléculas. Depois, o pulso de elétrons se dispersa das moléculas. A estrutura molecular é obtida a partir da difração dos elétrons, formando um padrão de espalhamento”, disse Centurion.

O laser passa pelas fendas e atinge um detector em uma tela. O padrão resultante é o padrão de espalhamento a que o pesquisador se refere. “A distância entre as fendas pode ser calculada a partir da frequência do padrão de interferência”, disse Centurion.

Conforme as moléculas de iodo vibram, o padrão se altera. Essas mudanças na separação dos núcleos foram registradas para a formação da animação que mostra a flexibilidade molecular.

O grupo do pesquisador também obteve sucesso em experimentos para gerar pulsos de lasers altamente carregados, com mais de 1 bilhão de elétrons por pulso, mais de mil vezes superior a métodos tradicionais.

“Pulsos de elétrons acelerados por lasers são promissores para capturar a interação de matéria com campos de lasers intensos nos quais a imagem precisa ser capturada de uma única vez”, disse.

Centurion destaca que a difração ultrarrápida de elétrons criará novas oportunidades para a realização de estudos de alta precisão dos processos dinâmicos em diversas áreas, como biologia, química e ciência de materiais.

O método UED tem sido investigado por grupos de pesquisadores em diversos países desde a década de 1980, mas a qualidade dos feixes de elétrons só recentemente se tornou boa o suficiente para permitir estudos na escala do femtossegundo.

Centurion e colegas usaram no SLAC um equipamento que conta com uma fonte de elétrons ultrabrilhante e de alta energia, desenvolvida originalmente para o laser de raios X do laboratório, denominado Linac Coherent Light Source.

Os pesquisadores agora pretendem usar o método para o estudo de moléculas maiores e mais complexas que as do iodo. O artigo Diffractive Imaging of Coherent Nuclear Motion in Isolated Molecules, resultado do estudo de Centurion e colegas, foi publicado na Physical Review Letters .

Fonte: Agência FAPESP