Neurocientista mostra em livro por que cérebro ainda é uma incógnita

Um antigo trocadilho quase intraduzível em inglês brincava com o nível de conhecimento da ciência sobre a mente (“mind”) e a matéria (“matter”). “What’s mind? It’s not matter!” –o que é a mente? Não é matéria; “what’s matter? Never mind!” –o que é a matéria? Nunca é mente. As duas frases exclamativas também podem ser traduzidas como “não interessa”.

Se parece que hoje a ciência sabe muito sobre o cérebro humano, a aparência não corresponde completamente à realidade, segundo o livro “A Vida Secreta da Mente – O que Acontece com o Nosso Cérebro Quando Decidimos, Sentimos e Pensamos”.

O físico e neurocientista argentino Mariano Sigman, autor da obra, argumenta que a neurociência se encontra hoje em um patamar semelhante ao que a física se encontrava no tema “calor”, durante a Revolução Industrial no final do século 18. Dois franceses publicaram importantes trabalhos sobre o tema –Antoine Lavoisier e Nicolas Carnot.

Mas, diz Sigman, “não tinham a mais vaga ideia sobre o que era o calor. Pior ainda, estavam emperrados entre mitos e concepções errôneas”. Os cientistas que estudam a mente hoje são capazes de detectar a consciência, manipulá-la, “de adivinhar seus traços e suas assinaturas”.

Mas, assim como o que acontecia com o calor, faltam melhores respostas sobre a consciência, “de cujo substrato fundamental ainda não sabemos nada”, escreve Sigman. Bem, pelo menos isso não impede os pesquisadores de continuarem fazendo ciência.

O livro tem uma interessante proposta didática de mostrar aquilo que de fato se conhece sobre o cérebro. O primeiro capítulo trata da infância. Segundo o autor, “o cérebro já está preparado para a linguagem muito antes de começarmos a falar”. O bilinguismo também ajuda a pensar e, já na infância, seriam formadas noções morais sobre o que é justo e bom, e sobre a cooperação e a competição.

O segundo capítulo estuda como são tomadas as decisões. É curioso, por exemplo, saber que a atividade de uma região cerebral do córtex frontal indica o conteúdo de uma decisão. “Ou seja, quando uma pessoa toma efetivamente uma decisão, desconhece que na realidade, dez segundos antes, esta já tinha sido tomada”, escreve o pesquisador argentino.

O livro também traz uma análise detalhada do que acontece quando uma pessoa toma drogas. Por exemplo, uma droga popular como a maconha não tem efeitos e riscos bem conhecidos justamente por ser ilegal. Os resultados podem até ser contraditórios, pois há diferença no modo de consumo, no nível da substância ativa –o THC–, na quantidade consumida e no metabolismo do consumidor.

Ou seja, os possíveis riscos não são universais, diz Sigman. “Em contraposição, se tomarmos a literatura científica em seu conjunto, veremos que consistentemente se percebe que a maconha traz risco de indução psicótica em adolescentes ou em pessoas com antecedentes de patologias psiquiátricas”, diz ele.

E, claro, como vale para qualquer droga, quanto mais cedo se começa a consumir, muito mais provável que a substância se torne viciante. “A Vida Secreta da Mente” não trata apenas de assuntos sérios como drogas, mas procura usar exemplos divertidos para tentar ajudar no entendimento do funcionamento do cérebro.

É o caso de uma discussão curiosa, mas cuja resposta convém não citar para não estragar a surpresa do leitor: por que uma pessoa não consegue fazer cócegas nela mesma?

Fonte: Folha de S.Paulo