Mesmo enfrentando “uma situação caótica”, como descreve, com racionamento de materiais básicos de laboratório, a pesquisadora Gabriela Nestal conseguiu desenvolver um projeto inovador sobre a resistência do organismo ao tratamento de câncer de mama no Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro.
Com este projeto, a biomédica de 31 anos foi uma das sete vencedoras do prêmio Para Mulheres na Ciência 2017, e irá receber R$ 50 mil de bolsa-auxílio para pesquisa.
“O grande desafio da ciência hoje no Brasil é a carência de investimentos. A crise envolve muitas coisas, desde a falta de contratação de funcionários, que gera sobrecarga, às barreiras alfandegárias, que dificultam a entrada de materiais no país. É preciso ter muita força de vontade para desenvolver pesquisa com pouco dinheiro e pouco incentivo e ainda enfrentar tantas dificuldades no dia a dia”, ressaltou a pesquisadora.
Ela é pesquisadora visitante do laboratório de Hemato-Oncologia Celular e Molecular do Inca –órgão ligado ao Ministério da Saúde. Os pesquisadores passam por grave crise financeira com a redução de recursos vindos de agências de fomento estaduais, como a Faperj, ou federais, como o CNPq.
Apesar das dificuldades, a pesquisadora não pensa em ir embora do Brasil. “Aqui é que posso fazer a diferença”, acredita. Parte de seu pós-doutorado foi realizado na Imperial College London, em Londres.
Câncer de mama
O estudo da biomédica consiste em decifrar os mecanismos de regulação da proteína FOXK2, que interfere no prognóstico de pacientes com câncer de mama.
“O objetivo é entender por que pacientes que têm a expressão desregulada dessa proteína são resistentes ao tratamento de quimioterapia”, explica.
Segundo ela, ao elucidar esse processo, será possível propor uma terapia futura capaz de reverter o fenótipo de resistência, fazendo com que o paciente responda melhor ao tratamento.
“Nossa hipótese é que esta proteína esteja sendo regulada por uma molécula conhecida já no contexto do câncer, para a qual já existem inibidores, que inclusive estão sendo testados. Mas isso envolve ainda muitos anos de estudo”, completa.
O interesse da carioca pela ciência vem desde os tempos de escola, das aulas de química, física e biologia realizadas em laboratório.
A escolha pelo estudo da biologia tumoral teve uma motivação pessoal. “Minha família tem histórico de câncer em geral. Minha avó e minha tia tiveram câncer de mama, e minha mãe, de colo de útero”, afirma. Gabriela fez mestrado, doutorado e pós-doutorado em câncer de mama pelo Inca.
Estimativa do Inca aponta a ocorrência de cerca de 600 mil casos novos de câncer no Brasil em 2016 e 2017. De acordo com a pesquisadora, o aumento no número de diagnósticos da doença no país tem três razões para isso: envelhecimento da população, melhora nos diagnósticos e efeitos da industrialização, como maior exposição a agentes carcinogênicos, como alimentação processada. “90% dos cânceres não são do tipo hereditário, mas sim os chamados cânceres esporádicos, que estão associados ao acúmulo de mutações ao longo dos anos”, diz.
“No Brasil, o câncer de mama ainda é diagnosticado tardiamente, o que está associado a sobrevida menor. Em países desenvolvidos, as mulheres são encorajadas a fazer mamografias periódicas e o autoexame, sendo possível diagnosticar a doença precocemente”.
Preocupação é redução de investimentos de agências de fomento
Em nota após a publicação da matéria, o Inca informou que a área de pesquisa do instituto funciona em plena capacidade e “conta com os materiais e insumos básicos e mão de obra adequados”.
Segundo o instituto, o Ministério da Saúde repassou integralmente os recursos orçamentários do Inca em 2017. A nota afirma ainda que a preocupação da pesquisadora é com a redução de investimentos de agências de fomento à pesquisa, como a Faperj e o CNPq.
Prêmio
Criada em 1998 pela L’Oréal em parceria com a Unesco, a premiação internacional Para Mulheres na Ciência é considerada a primeira dedicada a mulheres cientistas no mundo.
As vencedoras nacionais podem ser indicadas para a competição internacional. “Editais como esses são importantes porque ainda existe muita discrepância entre mulheres e homens na carreira científica. Apenas 3% dos ganhadores do Prêmio Nobel são mulheres”, comenta a cientista.
Fonte: Notícias UOL