Bate-papo com Prof. Dr. Gilberto B. Domont

Prof. Dr. Gilberto B. Domont

O fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Proteômica(BrProt), Prof. Dr. Gilberto Domont (foto), concedeu uma entrevista exclusiva para o portal Visão Ciência, durante a realização da 2ª Reunião da BrProt que aconteceu entre 07 e 10 de dezembro passado em Búzios, no Rio de Janeiro.

Domont formou-se no Curso Técnico de Química Industrial antes de ingressar no Curso de Química da Faculdade Nacional de Filosofia e fazer Iniciação Científica durante a Graduação, o Laboratório de Química de Proteínas do Instituto Nacional de Tecnologia, sob a orientação do Dr. João Consani Perrone e do Dr. Abrahão Iachan. Ele também é Doutor e Livre-Docente pela UERJ (1965) e UFRJ (1975), membro da Academia Brasileira de Ciências (1975).

Além de participar do evento, o professor recebeu uma linda homenagem pelo seu aniversário de 80 anos. Com energia de um jovem de 20 anos ele arrumou tempo para nos prestigiar com o seu conhecimento.

A seguir leia a entrevista que eu diria que, para mim, foi uma aula de grande conhecimento, não só de ciência, mas de vida.

VC – Como foi o início da sua carreira? Quais foram as dificuldades que você encontrou?

Domont:  Comecei minha carreira fazendo iniciação científica no Instituto Nacional de Tecnologia sob orientação do Dr. João Consani Perrone e do Dr. Abrahão Iachan, ambos químicos de proteína, porém, o meu orientador principal era o Dr. Perrone.

Fiz dois anos de iniciação científica, então me formei e no 3º fui para os EUA e passei um ano e pouco por lá. A minha iniciação foi na química de proteínas, no entanto, nos EUA fui estudar educação comparada, pois gosto muito e sempre me interessei muito por educação.

Nessa época eu já era bacharel e licenciado, eu fiquei lá estudando, quando voltei retomei a minha iniciação cientifica com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A minha primeira bolsa deve ter sido no ano de 1956, fiquei trabalhando como bolsista por muito tempo, até que entrei para a Faculdade Nacional de Filosofia como professor no Rio de Janeiro. Depois disso, iniciei de fato minha carreira mais independente. Comecei o meu curso de pós-graduação em 1962.

VC- Qual foi o seu primeiro projeto de pesquisa? Como foi para você realiza-lo?

Domont: Meu primeiro projeto de pesquisa independente foi a determinação da estrutura primaria de proteínas, ninguém fazia a determinação da estrutura primaria de proteína.

Crotamina é uma neurotoxina do veneno da cascavel que foi isolada no Brasil, mas na realidade nós começamos tentando determinar a estrutura primaria da tripsina, que é uma enzima proteolítica, foi depois que começamos a fazer os trabalhos com proteínas.

O início foi a verificação da pureza da tripsina. Ela tinha que estar pura para determinarmos a estrutura, caso estivesse contaminada não daria para saber a qual grupo ela pertencia.

Este foi o primeiro trabalho que eu fiz e publiquei na minha vida, em 1959 como jovem ousado mandei esse trabalho para revista Nature e ele foi publicado. Depois mandamos outros e eles também foram aprovados.

VC- Porque você escolheu trabalhar na área de proteômica?

Domont: Minha vida toda trabalhei com proteína, então podemos dizer que eu trabalhava com química de proteína clássica, depois começou a proteômica.

A proteômica nada mais é que usar técnicas que tem o poder de identificação, resolução, quantificação e identificação de proteínas.

É fascinante porque é uma outra forma de você fazer ciência, normalmente, a ciência é dirigida pela hipótese, então você tem uma hipótese de trabalho, e vai para o laboratório para responder aquela pergunta, ou seja, você procura ver se a hipótese que você tem se adequa ao fato, se ela não se adequar, então você troca a hipótese porque os dados são aqueles e isto não tem como mudar. Pois é assim que se faz ciência.

No entanto, isto não se aplica na proteômica, com ela existe uma possibilidade de estudar milhares de proteínas ao mesmo tempo, então você faz uma ciência dirigida mais pela descoberta.

VC- Você tem duas linhas de pesquisa, a Biologia de Sistemas e a Proteômica, você poderia falar um pouco delas?

Domont: As duas são no fundo proteômica. Nós aplicamos a espectrometria de massas genericamente e técnicas de proteômica aos sistemas de estudos biológicos moleculares, estudamos moléculas biológicas.

As proteínas fazem a ação do nosso organismo, então toda a ação do nosso organismo será feita pelas proteínas, defesa é proteína, regulação é proteína, Catalase é proteína, e segue assim, estudar proteína é estudar o que está acontecendo com o organismo.

VC- Como é participar de um projeto como o Proteoma Humano? Como vai funcionar?

Domont: A história de nós participarmos deste projeto foi a seguinte: Eu estava sentado na minha mesa quando chegou um e-mail convidando a nossa unidade de proteômica a participar do projeto do Proteoma Humano. Eu comecei a pensar que era algo grande demais, meio apavorante.

Daí eu chamei meus colaboradores e conversei com eles para decidirmos se aceitaríamos ou não. Não foi uma decisão imediata, porque tem consequências, uma responsabilidade extraordinária e por outro lado é belíssimo também e você não tem como negar algo assim.

Nós não podíamos dizer não, primeiro porque era uma honra para o laboratório, segundo porque era bom para o país. Então nós aceitamos e daí tínhamos que escolher um cromossomo para trabalhar e escolhemos o cromossomo 15, porque tem doenças muito particulares, doenças neurológicas, genes associados a esquizofrenia por exemplo, tem um gene que é associado ao tumor de mama.

Este projeto tem várias fases, um projeto de 10 anos, a ideia inicial da primeira fase de 6 anos é identificar pelo menos uma proteína por gene ou seja um produto gênico por cada gene, no nosso caso do cromossoma 15. Cada grupo tem um cromossoma para estudar.

E isso envolve identificar, localizar, quantificar, descobrir modificações Pós-traducionais de pelo menos uma proteína.

E aí você vai ter mais ou menos o mapa do Proteoma Humano. Agora a segunda fase é a fase de validação. Agora isso tudo é associado a doença não é uma coisa meramente mecânica.

O nosso cromossomo tem doenças associadas, nós estamos estudando tumores de cérebro, proteômica do cérebro, por causa da esquizofrenia. Então são dois projetos estudar as proteínas dos cromossomos mas associados sempre a doenças.

VC – Qual é a posição da proteômica brasileira em geral na comunidade científica internacional?

Domont: Eu acredito que seja muito boa, sem dúvidas ela está exponencialmente crescendo. A proteômica brasileira tem uns 15 anos.

Existem quatro revistas que são as melhores revistas do mundo em proteômica, que são: Molecular & Cellular Proteomics, que tem o maior índice de impacto, depois tem Journal of Proteome Research, que está em segundo lugar, em seguida o Journal of Proteomics e por último o Proteomics.

Destas duas revistas, a terceira e a quarta, o Brasil era, no ano passado, o décimo país no número de publicações. Então, houve um crescimento muito grande da proteômica brasileira, eu não diria uma posição de destaque, mas ela tem uma posição muito boa, uma presença internacional muito boa.

VC – Qual é o apoio que as entidades de suporte a pesquisa (CNPq, FINEP, CAPES, Fundações Estaduais – FAPESP, FAPERJ, etc) tem dado a área de proteômica?

Domont: Sem dúvida nenhuma são instituições que ajudam muito, são fundamentais e importantíssimas para a ciência brasileira. Eu tenho duas queixas, mas que todo pesquisador tem, que não seria obrigação do CNPq ou da CAPES, mas sim das universidades.

Eu acredito que a instituição deve disponibilizar uma infraestrutura administrativa para que possa funcionar mais. Fora isso, elas ajudam e muito.

VC – Quando surgiu a ideia de criar uma Sociedade Brasileira de Proteômica?

Domont: Quando surgiu a proteômica nós começamos a realizar um simpósio de proteômica, e trazíamos pessoas de fora, então com o tempo tudo começou a crescer e o espaço dentro da sociedade de bioquímica para proteômica ficou pequeno.

Foi quando decidi propor à direção e ao conselho que mudássemos as reuniões da Sociedade de Bioquímica (SBBq). Propus mudar o formato da reunião, no entanto, a minha ideia não foi bem recebida.

A minha proposta era que se fizesse a reunião em setores, um jeito mais moderno, neste caso, a proteômica seria um setor, e assim a comunidade proteômica organizaria a sua reunião dentro da SBBq.

Depois em uma assembleia geral eu propus novamente a mudança e também foi rejeitada. Então resolvi sair, na verdade não sair, porque ainda sou membro da SBBq, mas decidi fundar a Sociedade Brasileira de Proteômica para ter o nosso espaço. Foi isso que aconteceu.

VC – Quantas pessoas participaram neste ano da reunião?

Domont: Ao todo, contando com as empresas expositoras, um pouco menos de 200.

VC – O que você diria para os alunos que estão começando? Alguma dica?

Domont: Eu diria “A única função do aluno dentro de uma sala de aula é duvidar de tudo que o professor diz”. É isso, sempre questione, pergunte, mesmo que esteja errado, pelo menos você irá aprender um pouco mais.

VC – Como foi para você ser homenageado no BrProt pelo seu aniversário?

Domont: Foi lindo, fiquei extremamente emocionado, e tem tanta gente que me ama, que está presente aqui, e tudo foi surpresa. Quer dizer eu até sabia que teria uma homenagem, mas não imaginava nada disso. Fiquei muito feliz.